Ocasionalmente promovemos os jantares Lá em Casa – este blog nasceu por causa deles na realidade e aos poucos evoluiu para um blog de receitas de forma geral. Mas os jantares moram no nosso coração e são uma incrível fonte de aprendizagem pra gente. Recentemente fizemos um jantar em parceria com a banda do Esdras, os queridos Móveis Coloniais de Acaju. Eles fizeram um financiamento coletivo para a ida deles a Barcelona para tocar no festival Primavera Sound e uma das recompensas para os financiadores era um jantar produzido por nós.
Foi uma noite inesquecível e em breve postaremos muitíssimas fotos do evento, mas hoje começaremos com uma das receitas, a sobremesa. Como o financiamento coletivo era para viabilizar uma viagem para a Espanha desenvolvemos um menu repleto de receitas daquele país. Confesso que é das culinárias que mais me empolgam no mundo. Adoro a absoluta simplicidade de alguns dos pratos e o entendimento perfeito de que se você tem um ingrediente incrível não existe razão pra inventar muita firula. E ao mesmo tempo foi dessa mesma terra que surgiu o movimento da gastronomia molecular que levou a uma verdadeira revolução mundial. Enfim, a conclusão é: esse povo sabe das coisas. Sou fã.
E essa nossa sobremesa foi bem isso – uma mistura do clássico mega simples e delicioso com uma pitada de diversão do mundo molecular. A crema catalana é uma espécie de crème brûlée, um creme delicioso, caprichado na baunilha, e no caso da crema catalana, também caprichado com ingredientes aromáticos que dão um sabor maravilhoso, tudo finalizado com aquela crostinha de açúcar queimado que é só felicidade. A receita que usamos como base veio do espetacular livro The Family Meal: Home Cooking with Ferran Adriá. O Ferran Adriá é justamente o pai de todo esse movimento molecular com o seu premiadíssimo e finado restaurante El Bulli, que ficava bem pertinho de Barcelona. Family meal é o nome dado em inglês para a refeição dos funcionários de um restaurante. Acho esse nome uma fofura :) O livro é justamente um apanhado super organizado das receitas das refeições dos funcionários do El Bulli, que tinha um verdadeiro batalhão de gente para produzir aqueles menus elaboradíssimos. Recomendo demais esse livro porque eles desenvolveram um sistema muito bem coordenado e pensado para essas refeições diárias para tanta gente e as receitas, além de deliciosas, estão explicadas com fotos passo-a-passo e com quantidades para 2, 4, 20 e às vezes até mais pessoas. Tudo bem mastigadinho, bem detalhadinho, para qualquer um conseguir entender. Simplesmente demais.
Nossa crema catalana veio acompanhada de um caviar de morango. Esse caviar, cujo sabor pode variar desde que o princípio da quantidade de líquido seja respeitado, é uma forma bem fácil e divertida de se aventurar nesse mundo molecular. Infelizmente a grande maioria das técnicas usadas nesse tipo de gastronomia requer equipamentos especiais que dificilmente o cozinheiro de casa terá. Para esta receita o único equipamento especial necessário é uma seringa ou conta gotas, que podem ser facilmente adquiridos na farmácia da esquina. Essencialmente você precisa fazer uma gelatina saborizada, no nosso caso com morango com um toque de limão e cointreau, bem concentrada e, com o uso da seringa, jogar gotas da gelatina num óleo super gelado (que precisa ser mantido gelado durante todo o processo submerso numa bacia de gelo). As gotinhas vão caindo e formando os caviares quando entram em contato com o óleo gelado. Um barato! Parecíamos criancinhas num parque de diversões quando começamos a fazer. O resultado final é um caviar gelatinoso que é uma explosão de sabor e que, nesse caso, forneceu uma acidez super gostosa para a crema catalana. À primeira vista esse caviar parece super complicado, mas a verdade é que nem é e vira uma brincadeira pra lá de maneira na cozinha.
Agora a receita:
- PARA A CREMA CATALANA:
- 1 xícara de leite integral
- 1/4 de xícara de creme de leite
- 1/4 de uma canela em pau
- 1 tira de casca de limão
- 1 tira de casca de laranja
- 1/2 fava de baunilha cortada ao meio para raspar as sementes
- 3 gemas
- 1/4 de xícara de açúcar
- 2 colheres de chá de maisena
- açúcar refinado ou confeiteiro para maçaricar
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- PARA O CAVIAR DE MORANGO:
- 2-3 xícaras de óleo
- 4 colheres de chá de gelatina em pó
- 3 colheres de sopa de água fria
- gelo
- 1/4 de xícara de sal grosso
- 1 caixa de morango
- 2 colheres de sopa de açúcar
- 1 dose de cointreau
- 2 limões
- PARA A CREMA CATALANA:
- Junte o leite, creme de leite, cascas de limão e laranja, canela e as sementes da baunilha numa panela. Deixe ferver em fogo baixo.
- Numa cumbuca junte as gemas, açúcar e maisena. Misture bem.
- Coe a misture do leite e creme de leite aromatizado e junte às gemas misturando sem parar. Cuidado para não cozinhar as gemas. Misture. Misture. Misture.
- Transfira a mistura toda para uma panela limpa e leve ao fogo médio misturando sem parar até engrossar um pouco – uns 10 minutos.
- Coloque no prato em que for servir (nós usamos ramekins) e deixe esfriar. Depois de frio pode tampar e guardar na geladeira por algumas horas ou de um dia pro outro.
- Na hora de servir salpique cada ramekin com açúcar refinado ou confeiteiro (o cristal não funciona tão bem) e use um maçarico para formar a crostinha de açúcar. Se você não tiver maçarico, dá pra improvisar aquecendo bem uma colher (ela vai dar uma estragadinha, então use uma que você não ame de paixão), e qualquer coisa, sirva sem a crostinha que vai ser sucesso igual.
- Sirva imediatamente.
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- PARA O CAVIAR DE MORANGO:
- Primeiro você precisa fazer o seu líquido que dará sabor ao seu caviar. Neste caso fizemos de morango com limão e cointreau, mas pode ser o que você quiser desde que renda 75ml e que seja um sabor bem concentrado.
- Para o nosso sabor: corte os morangos em pedaços, junte com o açúcar, o suco dos limões e o cointreau e leve ao fogo baixo mexendo de vez em quando. Após uns 10 minutos um caldo vermelho lindo vai se formar. É isso que queremos.
- Coe e reserve o líquido. Os morangos estarão deliciosos e você pode comer com iogurte, sorvete, como topping de panqueca…
- Nesse meio tempo, coloque o óleo num recipiente de vidro – nós usamos o copo grandão que temos para fazer drinks e leve ao congelador para ficar beeeeem gelado, mas sem congelar. Ou, se você se lembrar, guarde na geladeira de um dia para o outro – é melhor.
- Misture a gelatina em pó com a água até formar uma pasta gelatinosa sem pedaços. Reserve.
- Esquente seus 75ml de líquido, mas não deixe ferver. Misture na gelatina até que ela dissolva completamente.
- Agora prepare seus instrumentos – conta gotas ou seringa. Nós usamos seringa.
- Pegue uma cumbuca grande, encha de gelo, um pouco de água e sal grosso e acomode seu recipiente de óleo gelado de forma que ele esteja bem submerso no gelo.
- Encha sua seringa com o líquido gelatinoso e deixe cair as gotas no óleo. Se você deixar cair umas duas ou três gotas bem rapidinho elas se juntam e formam uma bolinha maior. Se você deixar cair uma de cada vez você terá um caviar menorzinho. Demora um pouquinho pra pegar o jeito, de vez em quando você vai perder o controle e vai sair um jatinho ao invés das gotas, mas não tem problema. Os caviares podem até não ficarem todos idênticos, mas eles vão se formando e é o máximo!
- Use mais ou menos metade do seu líquido. Pare por uns 5 minutos. Retire os caviares que estarão lá no fundo do seu recipiente com uma colher e deixe escorrendo enquanto você continua fazendo os caviares com o resto do líquido.
- Quando terminar, espere novamente 5 minutos, retire com a colher, escorra e guarde num recipiente com uma colherzinha de óleo para manter os caviares molhados. Dá pra guardar por uns 3-4 dias numa boa.
- Nós servimos umas duas colheres de chá por cima de cada ramekin de crema catalana.
beijos,
Mariana
Amanda Ourofino
Uau Mariana!
Sou apaixonada (também) pela cozinha molecular, e fã do Adriá!
Confesso que nunca tinha pensado que poderia fazer qualquer coisa dessa culinária complexa, justamente por causa dos equipamentos necessários e tal, mas agora fiquei aqui “quicando” de alegria, já pensando no momento de testar esse caviar de morango! :D
Obrigada pela dica! Se ficar bom, mando fotos! Hahaha
Abraço,
Amanda
Ps: uma vez comi uma feijoada molecular, no Mani (SP), e foi uma das coisas mais inusitadas! O feijão tava todo encapsulado, e essas cápsulas estouravam na boca de um jeito muito estranho e engraçado! Foi demais!
comalaemcasa
Que maneiro Amanda!!! Queremos fotos sim!!!! E se animar, faz de mais sabores :)
Isso que você comeu no Mani deve ter sido uma das coisas que estávamos doidos pra tentar fazer, mas desistimos por não conseguir alguns dos ingredientes e por requerer aparelhos mais complicados. Algum dia… :)
Volte sempre e depois conta pra gente se deu certo.
beijos!