Adoro quando vai se achegando o fim do ano e as frutas amarelas começam a tomar conta das feiras. Não entendo as pessoas acharem graça em comprar pêssego importado o ano inteiro. Muito mais divertido (e ambientalmente correto!) aguardar ansiosamente eles chegarem na hora certa, docinhos e perfeitinhos, junto com as amigas ameixas e nectarinas pra gente poder se deliciar com uma belezura de torta como esta com as frutas no seu ápice de sabor.
Já declarei meu amor profundo a este tipo de torta de frutas antes. Acho uma perfeição um recheio que é basicamente só fruta, bem pouco doce, com uma crostinha lindamente dourada e amenteigada. Aqui no site tem ESTAS mais rústicas de morango, ESTA de frutas vermelhas e ESTA outra de frutas amarelas também, e tem ESTA mais montadinha de morango com limão siciliano. A de hoje é uma variação desta última, porque já estamos na boca do natal e ela tem tudo a ver para fechar sua ceia com chave de ouro.
A massa é bastante simples – muita manteiga, farinha, claro, dá pra brincar com outros tipos de farinha, a de hoje é com farinha branca e farinha de trigo sarraceno, um toquinho de açúcar, outro de sal para equilibrar, um alôzinho de vinagre e água o suficiente pra juntar tudo. Recomendo intensamente aprender a fazer este tipo de massa. É simples o suficiente para que pessoas sem jeito algum pra confeitaria consigam aprender e versátil de um tanto que você vai querer usar também em receitas salgadas (só tirar o açúcar, que é tão pouquinho de qualquer forma que até já usei sobras da massa adoçada mesmo em pratos salgados e fiquei felizona).
A manha da massa é trabalhar com manteiga gelada. Neste período mega quente eu normalmente corto a manteiga em cubinhos e coloco numa tigela no congelador por uns minutinhos enquanto preparo o restante dos ingredientes pra ela não derreter rápido demais. Daí é só trabalhar rapidamente que tá tudo certo. Com a ponta dos dedos você vai aos poucos esmagando os cubos de manteiga e incorporando eles na farinha formando uma farofa. Pode ficar uns pedaços maiorzinhos de manteiga, sem problema. Aliás, é até bom. Porque depois, na hora de assar, cada pedacinho de manteiga vira um bolsão de ar (a manteiga, obviamente, vai derreter no forno) e o resultado é uma massa crocante amanteigada linda maravilhosa.
Depois de fazer essa etapa inicial de farofa você acrescenta os líquidos à massa – o toque de vinagre e água gelada. Rapidamente ela vai se juntando pra formar uma massa não muito coesa, mas uma massa, sem dúvida. Aqui é outro momento de se prestar atenção. É comum colocar água de menos com medo da massa ficar muito molhada. E infelizmente, por mais que a gente coloque quantidades na receita, a variação entre farinhas de trigo que existe por aí não é brincadeira! Cada uma é de um jeito e cada uma absorve a umidade de um jeito. Quanto mais vezes você fizer esta massa, melhor você vai sacar se precisa de mais um tico de água ou não. O problema de errar pra menos na água será de ordem prática – a sua massa ficará mais quebradiça na hora de abrir. O sabor continuará maravilhoso, afinal, manteiga. Não preciso dizer mais nada, né? Mas a montagem será mais difícil.
Mas ó, nenhum fim de mundo. Já me aconteceu mais de uma vez. Dá certo igual. É só ter um pouco mais de paciência na hora da montagem e onde a massa quebrar você vai juntando os retalhos e arrumando. Pra base é irrelevante. Ninguém nem vai ver os retalhos. Para a tampa já é mais difícil, mas aí entra a criatividade na decoração. Esta da foto eu fiz com essa decoração quadriculada porque a massa estava perfeitinha e consegui abrir um retângulo grande sem rasgos pra cortar as tiras perfeitinhas, mas… se não rolar de fazer assim dá pra fazer bolinhas ou outras formas e fazer desenhos que ficarão igualmente lindos e que não requerem que você abra uma massa bem grande e perfeita (vide esta foto de uma torta de maçã que fiz com esse tipo de massa dia desses e que estava quebradiça).
Depois de pronta você divide a massa em dois discos, embrulha no filme pvc e guarda na geladeira por pelo menos meia horinha pra ela gelar de novo e a farinha dar aquela relaxada. Mas aí entra a praticidade. Essa meia horinha pode ser até dois dias na geladeira ou até um tempão no congelador. Não é raro eu fazer a massa dobrada e já congelar direto para um dia qualquer futuro. E todas as aparas que sobram também sempre viram um novo disquinho que embrulho novamente e congelo (lembrando que esse tipo de massa reaproveitada não é tão maravilhosa quanto a primeira leva, mas sem desperdícios, né?!).
Agora o recheio. O que eu acho massa desse tipo de torta é que uma vez que você pega a manha da massa (que, novamente, super recomendo aprender porque você vai querer repetir ela muitas e muitas vezes na vida) e entende o conceito do recheio você consegue adaptar pra várias frutas diferentes porque essencialmente é só um bando de fruta picada com alguns elementos adicionais, cada um com uma função. O açúcar serve para extrair o máximo do sabor das frutas e também seus sucos. A receita tem uma quantidade ali meio padrão, mas sinceramente o ideal é provar as frutas. Se estão muito azedas, mais açúcar, se estão muito doces um toque de limão talvez seja necessário para equilibrar. O amido de milho serve para transformar a calda das frutas numa espécie de geleia. Se colocar demais fica com gosto forte e pesado, então tem que pegar leve, mas se não colocar o recheio fica líquido demais, a massa amolece e o recheio escorre quando você cortar a fatia. O resto é firula. Alguma especiaria a mais (neste caso, cumaru, uma sementinha nativa brasileira maravihosa que lembra a baunilha e, portanto, é um ótimo substituto para a fava que está uma fortuna e um toquinho de tomilho), uma mistura maior ou menor de frutas (no caso, ameixa, pêssego e nectarina), enfim se solta e vai.
- para a massa:
- 200g de manteiga gelada (1 tablete)
- 150g (1 1/4) xíc de farinha de trigo
- 120g (1 xíc) de farinha de trigo sarraceno
- 1 c.s. de açúcar
- 1 c.c. de sal
- 1 c.s. de vinagre de maçã
- para o recheio:
- 5 xíc de mix de ameixa, pêssego e nectarina picadas
- 4 c.s. de açúcar orgânico
- 1 pitada de sal
- 1 c.c. de semente de cumaru ralada
- 1/4 de xíc de amido de milho
- 1 c.s. de suco de limão
- alguns ramos de tomilho fresco – folhas catadas
- 1 ovo para pincelar
- açúcar cristal para polvilhar
- Para a massa:
- Numa tigela junte a farinha, açúcar e sal. Corte a manteiga gelada em cubos e junte aos demais ingredientes. Com as mãos incorpore a manteiga à farinha esmagando os cubos. Não se preocupe se alguns pedaços ficarem maiores do que outros. Isso garante uma massa mais leve e craquelenta. A farinha deve ficar com a textura de uma boa farofa.
- Numa tigelinha misture o vinagre de maçã e 3 colheres de sopa de água gelada. Acrescente o líquido à massa e vá misturando tudo rapidamente. Talvez você precisa mais um pouquinho de água gelada – 1/2-1 colher de sopa a mais, mas lembre que esta não é uma massa muito molhada. Você só quer líquido o suficiente para juntar a farinha seca.
- Coloque a massa numa superfície limpa e amasse somente o suficiente para formar uma massa coesa. Ao contrário de uma massa de pão, aqui você não quer desenvolver o glúten. Separe a massa em dois, embrulhe soltamente no filme pvc e amasse para formar dois discos. Leve à geladeira por pelo menos meia hora.
- A massa pode ser feita com até 3 dias de antecedência ou pode ser congelada.
- Para o recheio:
- Pré-aqueça o forno a 180oC.
- Numa tigela junte os ingredientes do recheio e misture. Use imediatamente.
- Montagem:
- Abra um dos discos e use como a base da sua torta. Nós usamos um pirex de 20cms. Certifique-se que você abriu a massa com folga. Você quer que sobre um pouco para fora do prato onde você vai assar. Como a massa está gelada é difícil de abrir no começo, mas vá com calma e salpique com mais farinha se estiver grudando. Coloque a massa no prato e ajuste ela para ela ficar bem encaixada no fundo. Se tiver com muito excesso para fora corte um pouco as sobras, lembrando de deixar um cm para fora do prato. As sobras podem ser usadas para arrumar qualquer rasgo que tenha ocorrido no processo.
- Abra a massa de cima. Eu gosto de deixar a massa de cima um pouco mais fina e delicada o que acaba levando a uma sobra bem maior do que alguns cms para fora do prato. A da foto foi cortada em tiras para fazer a montagem, mas você pode deixar ela inteira e só fazer um rasgo para escapar o ar ou furinhos usando um cortador redondo ou bolinhas ou do formato que quiser. O que importa é ter pelo menos 1 rasgo para respiro.
- Coloque o recheio sobre a massa de baixo fazendo um morrinho com mais frutas ao centro. Assim ficará mais fácil de encaixar a massa de cima e a torta espalhará melhor durante o cozimento.
- Coloque a camada de massa de cima pressionando as laterais externas e mantendo o morrinho de frutas. Corte o excesso da massa de cima para que fique rente ao prato. Feche a torta pressionando o excesso da camada de baixo por cima da camada de cima e apertando.
- Dependendo de quanto excesso de massa sobrou você pode guardar para uma galette em outra oportunidade ou para fazer pequenos pastéis assados.
- Bata o ovo numa tigelinha com uma colher de chá de água. Pincele a torta toda e salpique com um pouco de açúcar cristal.
- Leve ao forno usando uma assadeira forrada de alumínio como base até a torta estar bem dourada. Não se assuste se um pouco do recheio vazar. É normal. Por isso usamos a assadeira forrada ;). O tempo de forno vai variar muito de um forno para o outro, aqui em casa leva umas 2:15, mas comece a olhar lá por volta de 1:30.
- Deixe esfriar por pelo menos 4 horas antes de comer.
Enquanto estiver cozinhando a dica é dar um play nesta playlist aqui lá do nosso perfil no Spotify – Trilhas Comalaemcasa. A playlist é mais eclética do que tudo, o tema em comum é que tudo tá naquele ritmo gostoso pra você dar aquela reboladinha de leve enquanto cozinha. E é longuíssima, porque nada pior do que estar na hora crítica de abrir a massa e fazer a decoração final desta torta e de repente o disco que você estava ouvindo acaba. Das coisas mais frustrantes da vida.
Quando sair do forno resista e deixe esfriar por completo. O recheio precisa de tempo para parar de borbulhar e se acomodar. Delícia das delícias. Verdadeiramente das minhas coisas favoritas no mundo.
Beijos,
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